terça-feira

Williamson sobre a ciência


Gostaria de regressar ao artigo de Williamson no NYT sobre o naturalismo, que tem sido aqui objecto de uma interessante troca de argumentos. Não venho retomar essa discussão, mas simplesmente expor a minha surpresa com uma passagem do texto de Williamson sobre as teorias científicas. 

Diz ele, no segundo parágrafo, que as melhores teorias científicas actuais serão provavelmente substituídas por desenvolvimentos científicos futuros. Na verdade, esta é uma ideia muito comum, que só surpreende pelo facto de ser partilhada também por Williamson. 

Note-se que Williamson não diz que mesmo as melhores teorias científicas poderão vir a ser substituídas por outras no futuro. Isso é uma banalidade, que não há como contrariar. Não se trata, pois, de reconhecer a mera possibilidade de as teorias científicas actuais virem a ser descartadas no futuro; trata-se de afirmar que é provável isso acontecer com as melhores teorias actuais - ou seja, por maioria de razão, com todas as teorias. 

Mas o que justificaria tal afirmação? Que todas as teorias científicas do passado acabaram por ser posteriormente substituídas ou abandonadas? Se isso fosse verdade, talvez se justificasse afirmar que todas as teorias actuais virão provavelmente a ser descartadas. Mas a premissa é falsa, sendo facílimo encontrar casos de teorias do passado que estão longe de ser descartadas. E mesmo algumas teorias do passado que por vezes se diz estarem ultrapassadas - a física newtoniana, por exemplo - não o foram realmente, tendo antes sido melhoradas, completadas ou corrigidas em alguns aspectos. O que se passa é que os casos de teorias bem sucedidas são frequentemente ofuscados pelo alarido dos insucessos científicos. E nem sequer vale a pena contabilizar insucessos estrondosos, como a cosmologia geocêntrica ou a teoria do flogisto, como o faz notoriamente Thomas Kuhn. Isto porque o geocentrismo não passa, em bom rigor, de uma teoria pré-científica, e a teoria do flogisto surge numa área científica de investigação ainda pouco madura. À medida que a investigação numa dada área científica vai amadurecendo, também as suas teorias se tornam mais robustas. Ora, isto deveria refrear a tendência para pensarmos que as teorias do passado são como as do presente e as do presente como as do futuro.  

Mas talvez Williamson não parta daquela premissa falsa. Talvez parta de uma outra, esta sim, verdadeira: a de que algumas teorias do passado acabaram mais tarde por ser abandonadas ou substituídas por outras. Só que, neste caso, a premissa não chega para concluir que todas as teorias virão provavelmente a ser abandonadas ou substituídas por outras. Concluir tal coisa é fazer uma generalização precipitada.

Não pretendo mostrar que Williamson está errado nas suas críticas a certo tipo de naturalismo cientificista muito em voga, pois o seu argumento central não depende disto. Mas se é importante denunciar certos preconceitos cientificistas, como justamente faz Williamson no seu artigo, também me parece importante não resvalar para o erro simétrico, que consiste na relativização em bloco dos sucessos científicos. Talvez todos estes sucessos sejam efémeros - e temos de ter isso em conta - mas não deixa de ser injustificado darmos isso como quase certo. A não ser que disponhamos de alguma razão misteriosa para pensar que a verdade é irremediavelmente inacessível.

É possível que esteja a ser injusto com um texto que se destina ao grande público e onde compreensivelmente não há espaço para grandes subtilezas. Seja como for, não deixa de ser surpreendente. Ou talvez não?

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